domingo, 17 de agosto de 2008

Capítulo 12 - O Conto do Crepúsculo

"Em tempos imemoriais e, talvez, não pertencentes ao contexto geral desta narrativa, vivi momentos muito valiosos. Muitos já amaram; inúmeros já citaram tal tema em incontáveis circunstâncias; mas esta não é uma história de amor, é uma história de inquietação, de olhares anônimos, de repetições dolorosas, de paciências torturantes, mas não deixa de ser uma história definida como a queda da razão diante da emoção... E, neste caso, tal queda proporcionou um indescritível poder de causar sofrimento. Afirmo-lhes isso, pois, um ser humano sofre neste instante. Palavras provavelmente não chegarão perto de toda a síntese dos acontecimentos. Eu estava apodrecendo por culpa própria, envolvido por uma armadura de energias duvidosas, mas isto não me impediu de deitar meus olhos nela, naquela garota, como se o mundo fosse maior, mais livre, mais independente, mais carismático, mais perto do fim. Olhei bem para ela: era uma doce face construída com louvor, com sutileza, com capacidade absurda de prender a atenção de um indivíduo do sexo masculino — e talvez de alguns do sexo feminino também. Primeiro, me pareceu de estatura baixa, depois vi as curvas sinuosas e gráceis do seu corpo, o que me fez, suspeitosamente, achar que não teria como me esquecer dela com alguma facilidade. Porém, eram o rosto e os cabelos os que mais me sugavam mentalmente; era possível que, em um milhão de mulheres no mundo, não se encontraria um ser cósmico e distinto como aquela moça, e como os cabelos dela, isto é, os cabelos em conjunto com aquele seu rosto soberbo; digo, só um tempo depois, na conformidade real das coisas, eu viria a perceber que ela se tornaria evidentemente inolvidável para mim.

Aquele era o primeiro dia de aula de muitos outros que viriam dentro daquele ambiente, sempre às tardes... Aquelas tardes estranhas, às vezes escuras, às vezes claras, às vezes as duas coisas, mas, muitas vezes, desgraçadamente melancólicas também; talvez isso me gerasse inspiração, mas ao mesmo tempo, estupidez, insegurança, medo — ou, na conclusão de fatores tão fúnebres: uma sensação de incompatibilidade com o mundo. Sim, sim, era sofrível, mas talvez a culpa disso tudo estivesse em atos passados, em perdas de oportunidades, em falta de habilidade nos momentos mais cruciais...! Mas é melhor que joguemos a subjectividade no lixo agora, pois a história que se segue não é nenhum pouco feliz — ao menos no seu final, com certeza não.

A vez que falei com ela foi numa das tardes claras: lembro-me como se fosse hoje, a vivacidade de sua fala, o balançar dos cabelos, e, enquanto nos perdíamos em diálogos triviais, eu já sabia que, a partir dali, uma bola de neve psicológica começaria a rolar. Era o seguinte: entre as aulas insuportáveis, o peso da rotina e o cansaço preguiçoso, teria de haver algo que pudesse deixar tudo mais leve, mais admirável — algo que me desse mais vontade de estar lá. E esse algo, como eu tinha começado a constatar, era ela.

— Você gosta realmente dela? — perguntou Carlos à mim, numa das tardes mais escuras.

— Eu não sei. Eu sinceramente não sei, mas prefiro dizer que sim. Esquecê-la talvez seja fácil, mas se eu o fizer, nada mais será interessante aqui.

— Ela tem uma relação muito boa com o namorado dela, você sabe. O mais provável de se acontecer numa situação dessas é você sair com o coração esquartejado!

Enquanto pensava e repensava sobre os conselhos de Carlos, eu ainda insistia em observá-la ininterruptamente. Afogado na obviedade da minha razão e na teimosia das minhas emoções, deixei o tempo passar. O frio no estômago foi ficando cada vez mais freqüente e incômodo, na mesma proporção em que a vontade de ir vê-la aumentava. Era um amor impossível — se é que algo assim existe —, mas eu sentia uma mínima parcela de esperança brotar dentro da minha mente, porque, com uma anormal perspicácia, minhas capacidades racionais iam sendo arrastadas para o fundo de um poço que poderia não ter fim.

Pensamentos maldosos e pesadelos desesperadores invadiam-me vez ou outra, o pânico me dominava numa quase total escuridão, e uma lucidez existencial me corroía por dentro: se a vida eterna existir, como alguém conseguirá agüentar a si mesmo até sempre? E se ela não existir, a não-existência deve realmente ser temida? Tudo era um beco sem saída, uma espera por nada, em qualquer aspecto ou ângulo que eu podia tentar visualizar; e ela, a moça, de repente, aparecia no meio de tudo isso, me fazendo sofrer, mas era um sofrimento suportável até então. Na proximidade com ela, a resplandecência vinha, mesmo que houvesse a impossibilidade de uma relação mais profunda.

Num fim de semana árduo e cansativo, eu desejei. Desejei poder tê-la mais do que tudo, mais do que qualquer pessoa ou coisa, mas não tê-la como um objeto, apenas desejei poder ficar junto com ela durante o tempo necessário para que pudesse ter um valor mais memorável para mim. O sol das tardes vinham à mim em coreografia com os ventos das tardes frias, mas a melancolia era o número predominante: juntei tudo e todos dentro da minha consciência e pedi, com certo pesar por imaginar a existência do egoísmo naquele ato, que o desejo se realizasse cem mil vezes mais rápido do que o normal, se isso fosse realmente algo possível de acontecer. E eu comecei a esperar.

Mas a espera não foi tão longa. Tudo durou duas semanas. Minha auto-confiança renasceu das cinzas mais cambaleantes possíveis, onde, seguidamente, eu era remetido a uma seqüência quase cronológica de sensações de nostalgia que haviam me marcado no passado de forma indefinida, mas que, talvez por minha própria desatenção, haviam sumido da minha memória. E, num dos dias em que essas nostalgias ocorriam, a moça chegou, à tarde — e ela não se sentia muito bem. Ela não ficou muito tempo ali: foi embora no intervalo, enquanto eu ficava ali, numa aflição torta, já que no fundo eu queria acreditar que ela, agora tão frágil, vulnerável e fraca, fosse, no dia seguinte, adentrar naquela sala tão saudável como nunca. Mas quatro dias se passaram, sem que ela aparecesse. No quinto dia, recebendo a notícia mais dilacerante de toda minha existência, eu quis morrer, pois, sim, ela estava... Morta.

— Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaahhhhhhhhhhhhhhhhhh!!!

Tudo havia desabado, todas as minhas esperanças, todas as minhas crenças, todas as teorias em que eu acreditava, tudo que pudesse servir como uma base para a minha manutenção estava desmoronando violentamente.

Mas, com o tempo, veio a calma, e com ela eu vi uma hipótese. Sozinho, num ônibus, sem rumo ou objetivo algum, pensei: 'O desejo que fiz, aparentemente, fez com que as coisas acontecessem ao contrário... Mas, há uma intuição tola dentro de mim, uma intuição que sempre esteve aqui. Eu não sei se posso acreditar em vida após à morte, reencarnação ou coisas do tipo, mas se o desejo for realmente se realizar o mais rápido possível, eu preciso morrer logo... Preciso morrer para ter você nos meus braços, preciso morrer para poder ver seus olhos pungentes, preciso morrer para acariciar seus cabelos muito cacheados, preciso morrer para poder, no mínimo, vê-la novamente... Marina!'. E, nada mais fazia diferença. Eu aguardava. Apenas aguardava. A morte viria — e eu não tinha tanta pressa, já que eu não vivia mais à mercê do tempo."



Jorge Santos Machado, São Paulo, Outubro de 2008

8 comentários:

Anônimo disse...

PQP!!, um dia se deus quiser e ha de querer eu criar uma editora o Lost ta contratado o_O, heheheheh escreve bem história xD, muito boa Lost.

Anônimo disse...

Sensacional! Não sei se é o melhor capítulo, mas com certeza é um dos mais marcantes!

Anônimo disse...

Já temos como lançar o livro: "A Estrada Vermelha". \o/

bom, achei esse capitulo bom (essa historia me lembrou alguem... hehe), e tipo, vc escreve muito bem mesmo cara, agora vai ligar essa historia na principal.... aeeeeeeee!!! os proximos capitulos prometem!!! ^^

Anônimo disse...

Consideração nada, nós estamos te elogiando pq vc escreve muito bem. ^^ (pelomenos eu nao estou mentindo pra te deixar feliz nao...)

Anônimo disse...

Capítulo com formato diferente dos outros, gostei

Anônimo disse...

Eu quero saber o resto, quero saber o restoo!!!
Aaah, foi tão lindo este cáp...

Jessica Anastacio disse...

é vida real, entrando no livro, ta legal.. espero q o final seja algo inacreditavel!!!

Anônimo disse...

otimo esse cap., deixou um suspense na história incrível