quinta-feira, 5 de junho de 2008

Capítulo 3 - Marina

Quando Manuela chegou ao apartamento na Rua Vergueiro, a amiga Cecília a esperava na porta, com uma expressão aflita no rosto.
— Entra
Manuela entrou. O apartamento razoavelmente grande estava um tanto quanto bagunçado, com algumas roupas espalhadas pelos cantos, mas nada muito aterrador. Cecília fechou a porta e foi se sentar ao lado de Manuela no sofá.
— Manu...
— Cecília, eu encontrei o Dante no ônibus. Acho que as coisas estão mais amenas. Ele entendeu agora.
— Que bom. Bom para vocês. Espero que esteja fazendo a coisa certa.
— Acho que estou sim.
As duas se olharam, sorrindo. Cecília, com seus longos cabelos negros e olhos azul-esverdeados era quase tão bonita quanto Manuela. Eram amigas desde quando entraram na faculdade — o curso era de Publicidade, mas ambas haviam o largado faziam três meses. De lá, arrumaram um emprego e resolveram rachar o aluguel do apartamento.
— Isso também me alivia, sabia? — comentou Cecília — É muito bom ver você com essa cara renovada.
— A sensação de liberdade é ótima agora. Não que eu não gostasse do Dante do meu lado, mas, você sabe, tem horas em que a gente não suporta mais. Mas, deixa pra lá. O caso tá resolvido. Agora me fala: qual era a proposta da qual você falou no celular, hum? Pode ir falando.
Cecília riu.
— É coisa simples, Manuela, mas não pra agora. Tem que ser nas férias, e elas estão chegando, só falta um mês. Você pode ter se demitido da floricultura, mas eu ainda estou penando lá na firma. As papeladas que eu tenho que arrumar todo dia são uma tortura.
— Tá, tudo bem. Mas você ainda não disse qual é a proposta.
— É o seguinte: eu conheço um pessoal meio hippie lá do interior, de uma terrinha perto de Itu... e, bom, eu pensei se nós não poderíamos ir para lá nas férias, ficar uns dias, pra esquecer toda grandeza insuportável dessa cidade, para respirar outros ares, fazer coisas diferentes. E aí, topa?
— Primeira coisa: não fale mal da grandeza de São Paulo. Eu tenho uma relação com essa cidade, eu a amo demais. Segunda coisa: não gosto muito desses interiorezinhos aí, eu não tenho nada contra esses seus amigos, mas não duvido nada de que irá rolar muita droga nesse lugar, você sabe o que eu quero dizer, e terceira coisa: o que eu queria era viajar pra conhecer outras cidades grandes e tal. Mas, sei lá, podemos ir mesmo assim, se o pessoal for realmente interessante, pode ser uma experiência boa.
Não compreendendo totalmente os motivos da amiga, Cecília exclamou:
— Que saco, pô! Você me fala que queria viajar sem rumo por aí, fazer mais coisas e o caramba, mas quando as oportunidades aparecem, você as trata com todo esse desprezo?
— Não trata-se de desprezo, Cecília, é sinceridade. Só isso, você sabe. Mas nós vamos ir sim, não esquenta. Se vai ser bom ou não, que se dane, vamos ver no que vai dar.
Manuela se levantou e foi até a janela. Uma garoa fina começava a despencar do céu. Um cansaço mental incômodo parecia querer dominar sua mente. Fechou os olhos.
— Manu... — chamou Cecília — É quase impossível não ficar melancólico nesses dias obscuros e gélidos, mas, acredite, as coisas vão melhorar, eu tenho certeza.
Rindo num tom meio zombeteiro, Manuela disse:
— Como pode ter certeza? Como vai me garantir que a minha vida não vai continuar sendo essa merda pra sempre?
— Descansa, Manuela. Vai esfriar a cabeça um pouco.
— Vou mesmo — mas, enquanto isso, lá fora, Manuela acabava de ver repentinamente, uma pessoa conhecida — Cecília, vem cá, olha ali! —
Manuela apontou para uma garota agachada no meio da calçada amarrando o tênis, com uma bicicleta do lado. Os cabelos muito cacheados, cortados na altura dos ombros, davam-lhe um ar alternativo, mas que não deixava de ser comum, não deixava de ser uma pessoa com um semblante cheio de personalidade (ou não!), mas era singular, singular na aparência, na beleza, em tudo, mas talvez tudo isso fosse apenas suposição, talvez fosse uma garota antipática, infantil, tola, mas quem não deixa de ser tolo, ou antipático, ou infantil em alguns momentos? Era, afinal, um ser humano, como qualquer outro, como Manuela, Dante ou Cecília — seu nome: Marina.
— É a Marina, não é? E agora? Vamos atrás dela? — perguntou Cecília.
— Bom, não sei, ela fugiu de casa por conta própria, não acho que devemos interferir na decisão dela. Se bem que vai ser meio difícil ver ela de novo numa cidade como essa... Vamos, vamos lá, temos que pelo menos falar com ela.
Afobadamente, as duas correram velozmente para fora do apartamento, desceram dois andares de elevador (o apartamento delas ficava no segundo andar) e, virando a esquina, chegaram à calçada onde Marina estava. Ao verem a garota montar na bicicleta, saíram correndo, gritando o nome dela, num desespero cômico e estranho.
— Marina! Marinaaaa!
E, numa calma extraordinária, Marina, dando uma rápida olhada para trás, começou a pedalar, ainda ouvindo as vozes das duas que gritavam estupidamente.
— Marina! Esperaaaa!
Continuaram a correr atrás dela, Marina virou outra esquina, e depois, acelerando a pedalada, foi sumindo de vista.
— É, perdemos ela. — falou Cecília, desapontada.
— Sim, mas... o que é isso? — Manuela se abaixou para pegar um pedaço de papel caído no chão. Parecia ser a metade de uma foto rasgada no meio, nela via-se o rosto de Marina, um rosto absurdamente perfeito, os pungentes olhos castanho-claros, um sutil sorriso aparecia nos lábios, a menina de dezessete anos exalava grandeza, alvura, paciência, e, acima de tudo, exalava o poder de ser independente. — Como ela é bonita... Ah, tem algo escrito atrás: "Para vocês duas: se quiserem mesmo me encontrar para conversar, saber as circunstâncias dos meus atos, ou qualquer coisa, me encontrem daqui há seis dias no Terminal Bandeira, às 17:00. Eu sou uma coisa que pensa."
Uma brisa leve e nostálgica acompanhava desordenadamente os pingos da garoa que caía na Rua Vergueiro naquele momento.

7 comentários:

Anônimo disse...

Belíssimo suspense no fim do capítulo. Os conflitos começam a surgir. Bom desenvolvimento.

Jessica Anastacio disse...

[i]\o/\o/\o/
TA ficando cada vez melhor..
Demorei mais li..desculpas(gomen)
Aguardo novas emoçoes...

Anônimo disse...

Belo suspense no final do capítulo ^_^

Anônimo disse...

Gostei, esse capítulo foi interessante, deixou um suspense e um gancho interessante pra essa questão da viagem. Porem (como eu sou chato), eu gostei mais do 2º Capítulo.

Anônimo disse...

Eu ainda to curioso para saber o que vai acontecer com o Dante. >.<
Gostei bastante desse cápitulo. Só achei estranho essa Marina. Agora to mais anSioso ainda para o proximo.

Anônimo disse...

bom
Os conflitos começam a surgir em cena, muito bom esse capítulo

Anônimo disse...

Nossa, está muito boa a sua fic!
Gostei! ^^
Posta logo a continuação ^^